quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SÓ QUEM NÃO QUER O FICHA LIMPA SÃO OS FICHA SUJA

“Seu voto: não venda, não troque, não negocie.”







“O projeto Ficha Limpa é uma campanha da sociedade civil brasileira com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos e candidatas a cargos eletivos do país. Para isso, foi elaborado um Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a vida pregressa dos candidatos com o objetivo de tornar mais rígidos os critérios de quem não pode se candidatar – critérios de inelegibilidades.






A iniciativa popular é um instrumento previsto em nossa Constituição que permite que um projeto de lei seja apresentado ao Congresso Nacional desde que, entre outras condições, apresente as assinaturas de 1% de todos os eleitores do Brasil (do sítio do Ficha Limpa).”






O Projeto de Lei de Iniciativa Popular Ficha Limpa, após ser aprovado na Câmara Federal e no Senado, foi sancionado em Lei Complementar 135/2010 no dia 4 de junho de 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.






Por se tratar de uma Lei eleitoral, cabia então à instância maior eleitoral no Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidir pela forma como seria colocada em prática a Lei da Ficha Limpa. A questão era se a nova Lei seria válida já pra o pleito eleitoral 2010 ou somente para o próximo pleito, já que há na Constituição a chamada Lei da Anualidade da Lei, que diz que qualquer Lei eleitoral só pode entrar em vigor um ano após ser sancionada. No dia 10 de junho o TSE decidiu que a Lei da Ficha Limpa já deveria valer para o pleito 2010.






Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências.






Entre os principais crimes previstos pela Ficha Limpa que causam inelegibilidade, estão os crimes:






“1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;






2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;






3. contra o meio ambiente e a saúde pública;






4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;






5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;






6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;






7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;






8. de redução à condição análoga à de escravo;






9. contra a vida e a dignidade sexual; e






10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;”






Na Lei, que compreende quatro páginas, há muitos outros crimes elencados. Enfim, o próprio TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) acabou por determinar que os candidatos do atual pleito eleitoral terão de apresentar Certidão Negativa Cível e Criminal para poder outorgar suas candidaturas.






No Brasil inteiro, ao menos 1,7 candidatos tiveram pedido de impugnação de suas candidaturas com base no Ficha Limpa. Muitos conhecidos pelo seu histórico de corrupção tiveram seus nomes vetados pela Lei da Ficha Limpa, entre eles podemos citar como exemplo:






•o ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz (PSC), que havia renunciado ao Senado, em 2007, para escapar de cassação por quebra de decoro parlamentar por ter violado o painel eletrônico do Senado junto com o finado Antônio Carlos Magalhães (ACM), vulgo Toninho Malvadeza;


•o ex-governador do Pará, Jader Barbalho (PMDB), que também renunciou ao Senado, em 2001, para escapar de cassação pela acusação de desvio de verbas do Banpará;


•o ex-prefeito de Coari, Adail Pinheiro (PRP), que ficou conhecido no Brasil através de matérias jornalísticas publicadas pelos meios de comunicações depois que foi acusado de praticar vários crimes, como formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e chefia de uma rede de prostituição infantil, motivo porque foi arrolado na CPI da Pedofilia, que lhe levou à prisão;


•o ex-vereador de Manaus, Henrique Oliveira (PP), que já havia tido o mandato de vereador cassado devido a ser funcionário do TRE-AM – impedido, por tal de se filiar a partido político -, acabou por pedir exoneração, mas acabou não sendo exonerado em tempo hábil para poder candidatar-se.


Muitos estão na mira da Ficha Limpa e ainda há diversos outros em possibilidade de serem enquadrados nessa Lei. Em Manaus, uma pergunta constante é por que o vice-prefeito e candidato a deputado federal, Carlos Souza, que esteve preso meses atrás, não tem sua candidatura impugnada. A resposta é porque sua prisão foi preventiva por ele estar obstruindo a Justiça, mas ele ainda não foi condenado em nenhuma instância judicial.






Os políticos corruptos recorrem até às últimas instâncias para anular as decisões com base na Lei da Ficha Limpa por causa da já citada anualidade da lei, mas a grande maioria dos juízes têm levado em conta a vigência da Ficha Limpa pelo simples fato de que essa Lei “veio exatamente proporcionar a escolha de representantes investidos de dignidade mínima para o exercício do mandato”, como salientou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.






No que diz respeito à população, uma pesquisa feita ontem pelo Ibope a pedido da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), divulgada nesta terça-feira (21), revela que 85% dos brasileiros são a favor da lei, 9% não a conhecem e somente 3% são contrários a ela.






Assim, só quem não é a favor da Ficha Limpa são os Ficha Suja.






FINALMENTE AS DECISÕES DO STF?






O recurso do ex-governador de Brasília, Joaquim Roriz, que o STF (Superior Tribunal Federal) julga hoje não é envolve apenas o seu caso em particular, mas é exemplar para todos os outros recursos e outras questões em torno do Ficha Limpa. O que está em jogo não é somente uma decisão, mas na verdade três decisões fundamentais:






•A Lei da Ficha Limpa deve valer para as eleições deste ano?


•A Lei tem valor retroativo à sua promulgação?


•A renúncia ao cargo é critério para inelegibilidade?


Com as respostas, o STF, que, segundo consta, se encontra dividido quanto a esta questão, que pode confirmar a inelegibilidade de Roriz ou negá-la, mas podendo também, principalmente em caso de empate, já que o STF está apenas com dez ministros devido a aposentadoria de Eros Grau, adiar a decisão para depois das eleições. Mas está última decisão seria, para a maioria dos especialistas, garantir para o atual pleito a impugnação dos candidatos pegos pelo Ficha Limpa, já que, por enquanto, valeria a decisão das outras instâncias. Assim, os TREs teriam que retirar os nomes dos candidatos que atualmente se encontram impugnados, pois seria uma incongruência deixar os nomes dos candidatos, embora para esperar a decisão.






Da parte deste bloguinho, a expectativa é que a decisão do STF seja democrática, ou seja, na confirmação da impugnação da candidatura de Roriz e todos os outros que estão com candidatura impugnada.






E, se se cobra uma resposta mais especializada, fique-se então com o magnífico texto no Observatório da Imprensa do íntegro jurista Dalmo de Abreu Dallari, que sempre está a postos com sua lucidez na defesa dos interesses verdadeiramente democráticos.






A CONSTITUCIONALIDADE DA NOVA LEI






Dalmo de Abreu Dallari






Em breve o Supremo Tribunal Federal deverá julgar um caso que envolve uma decisão sobre a constitucionalidade da Lei Complementar nº 135, a chamada Lei da Ficha Limpa. A fim de que se tenha clareza quanto ao que vai ser decidido pela Suprema Corte, é oportuno apresentar uma síntese da situação jurídica e dos questionamentos que deverão ser objeto da decisão do Judiciário.






Em primeiro lugar, é importante assinalar que o Capítulo IV da Constituição trata “Dos Direitos Políticos” e ali se encontra o artigo 14 que, no parágrafo terceiro, faz a enumeração das condições de elegibilidade, ou seja, os requisitos para que alguém possa ser eleito para um cargo político, recebendo o mandato do povo. O parágrafo 7º trata expressamente das situações que tornam uma pessoa inelegível, como, por exemplo, os parentes próximos de uma autoridade, que não podem ser eleitos para substituí-la. E o parágrafo 9º dispõe, com minúcia, sobre as inelegibilidades numa visão mais ampla, prevendo textualmente: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”






Com base nesse dispositivo constitucional foi aprovada a Lei Complementar número 64, de 18 de maio de 1990, estabelecendo outros casos de inelegibilidade, lei que passou a ser conhecida como Lei das Inelegibilidades e que foi parcialmente alterada pela Lei Complementar número 81, de 13 de abril de 1994. Mais recentemente, a partir de iniciativas de segmentos da sociedade brasileira, foi aprovada pelo Congresso Nacional uma nova lei fixando outros casos de inelegibilidade, como previsto na Constituição. Trata-se da Lei Complementar número 135, de 4 de junho de 2010. Desde logo se verifica que o estabelecimento de novos casos de inelegibilidade por meio dessa lei é de inquestionável constitucionalidade, pois essa hipótese está expressamente prevista no artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição.






Exigência de moralidade






As dúvidas suscitadas pelos interessados, e que deverão ser dirimidas pelo Supremo Tribunal Federal, referem-se aos casos de condenação em órgão judicial colegiado, ou seja, em órgão com mais de um julgador, num processo de apuração de abuso do poder econômico ou político. Uma das alegações é que a Lei Complementar nº 35 não poderia ser aplicada às eleições deste ano porque a Constituição proíbe a aplicação de uma nova lei a uma eleição que ocorra até um ano depois de sua entrada em vigor. Como a Lei da Ficha Limpa entrou em vigor no dia 7 de junho deste ano, que foi a data de sua publicação, seria inconstitucional aplicá-la às eleições do próximo dia 3 de outubro.






Na realidade, a proibição constitucional não tem a extensão que se pretende dar a essa interdição e não impede a aplicação imediata, nestas eleições, da Lei da Ficha Limpa. Com efeito, o que diz, textualmente, o artigo 16 da Constituição é que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”. Ora, processo, como bem esclarece o notável processualista José Frederico Marques, é um conjunto de atos concatenados, que devem ser praticados numa sequência pré-estabelecida, servindo de instrumento para o exercício da função jurisdicional. Ora, o que a Lei da Ficha Limpa faz é, simplesmente, estabelecer condições de inelegibilidade, sem qualquer interferência no processo eleitoral, que continua a ser exatamente o mesmo anteriormente fixado por lei. Não há, portanto, qualquer inconstitucionalidade.






Outra alegação é que a aplicação da Lei da Ficha Limpa a situações estabelecidas anteriormente seria contrária à regra constitucional que proíbe a retroatividade. Também nesse caso está ocorrendo um equívoco. De fato, a Constituição proíbe a aplicação retroativa da lei penal, encontrando-se essa interdição em disposição expressa do artigo 5º, inciso XL, segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Ora, não há como confundir uma lei que estabelece condições de inelegibilidade, uma lei sobre as condições para o exercício de direitos políticos, com uma lei penal. Veja-se que a própria Constituição, no já referido artigo 14, parágrafo 9º, manda que seja considerada a vida pregressa do candidato, ou seja, o que ele fez no passado, para avaliação de suas condições de elegibilidade. Assim, pois, não ocorre a alegada inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, porque ela não fixa pena, mas apenas torna explícito um dos aspectos da vida pregressa que podem gerar a inelegibilidade.






Em conclusão, a Lei da Ficha Limpa não afronta qualquer disposição constitucional e, mais do que isso, complementa a exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato.

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